Muitos planos ambiciosos de desenvolvimento econômico já foram tentados no mundo. Infelizmente, a despeito das melhores intenções, muitas vezes os resultados foram pífios, ou pior, produziram mais males do que benefícios.
Como venho argumentando, o requisito para bons resultados é uma boa gestão. Começando pelo presente post, pretendo trazer algumas ferramentas, conceitos e modelos mentais para a formulação e execução de planos de desenvolvimento.
Antes de iniciar um plano, sobretudo aqueles voltados ao desenvolvimento produtivo, proponho uma reflexão a partir de uma tríade de perguntas. Tal provocação é feita no livro “Como repensar o desenvolvimento produtivo? políticas e instituições sólidas para a transformação econômicas” publicado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em 2015. A meu ver são perguntas tão relevantes que ouso denominá-las de “santa trindade” das questões em uma intervenção ou plano de desenvolvimento produtivo.
1. Que falha de mercado foi diagnosticada para justificar a política ou intervenção?
Antes de mais nada, a própria pergunta leva ao reconhecimento de um tema que já levou a debates calorosos entre economistas: os mercados são eficientes ou não? Ou seja, se deixados livres (sem “atritos” ou intervenções externas) as forças de oferta e demanda de um mercado produzem equilíbrio e um resultado positivo para a sociedade? A pergunta 1. em questão sugere que não, ou seja, que falhas de mercado existem e que essas falhas podem ser danosas à economia e à sociedade.
A crise financeira de 2008 chamou a atenção de todo o mundo para ineficiências crônicas naquele mercado tido até então como o mais eficiente (inclusive em termos do fluxo de informação), o mercado financeiro. A “crise do subprime” requereu um forte papel interventor dos governos na contenção de seus efeitos deletérios para o funcionamento das economias. Houve uma massiva injeção de dinheiro ou, como gostam os economistas, de liquidez na economia. Foi um exemplo real da tentativa de governos de “estabilizar uma economia instável”, título de um livro de Hyman Minsky, tema da minha dissertação de mestrado e sobre a qual escreverei futuramente.
Tais considerações não implicam no extremo oposto, ou seja, que os mercados não funcionem ou que o modelo de economia planificada seja mais eficiente. Pelo contrário, o sistema de mercado, por meios das forças da “mão invisível” (a la Adam Smith) é, na maioria das vezes, um eficiente alocador de recursos.
Nesse sentido, se uma política ou intervenção não serve para atacar uma falha de mercado, ela pode ser contraproducente ou interferir naquilo que é uma consequência de forças de mercado. Por exemplo, situações em que empresas encerram suas atividades não são necessariamente resultantes de falhas de mercado. Empresas ineficientes (com alto custo, produtos e serviços de pouco valor aos seus clientes) podem - e diria até mesmo que devem - dar lugar a empresas mais eficientes. Interferir nesse tipo de situação significa reduzir a eficiência econômica e os benefícios para a sociedade.
Se não atacarem uma falha de mercado, as intervenções do governo em setores econômicos (por exemplo, por meio de subsídios, proteções tarifárias e incentivos fiscais) acabam criando distorções (problemas de rentismo ou rent-seeking) cujo efeito a médio ou longo prazo é mais maléfico do que benéfico. Infelizmente, a economia brasileira está repleta de problemas como esses.
O economista Ernesto Stein do BID, no livro citado anteriormente, propõe uma tipologia para classificar as intervenções em prol do desenvolvimento produtivo.
Considerando seu alcance, as políticas podem ser de natureza horizontal (ações ou intervenções com efeitos sobre diversos setores e atividades econômicas) ou vertical (aplicáveis em determinados setores e de maneira seletiva). Em termos de sua abrangência, um instrumento de política pode assumir a forma de um bem público (útil de modo coletivo para a produção privada), ou na forma de uma intervenção de mercado (que afete o comportamento das empresas e sua dinâmica de lucro, por exemplo).
Abaixo alguns exemplos a partir das combinações dessa matriz:
- Horizontal / bem público: garantir direitos de propriedade é um exemplo de política com significativas externalidades positivas.
- Horizontal / intervenção de mercado: oferecer subsídios à pesquisa e desenvolvimento é o exemplo de uma política multisetorial, porém capaz de provocar distorções indesejadas caso as condições não sejam bem compreendidas. Por quais razões as firmas não investem ou se apropriam dos benefícios do P&D? Existem obstáculos para uma empresa seguir ou copiar a empresa "pioneira", aquela que desenvolveu primeiramente um produto inovador?
- Vertical / bem público: ter controles fitossanitários é um exemplo de política discricionária, sendo fundamental a colaboração público-privada para entender seus reais benefícios (bem como os efeitos colaterais) da intervenção. Geralmente esse tipo de política envolve custos de oportunidade, ou seja, a escolha em ter feito uma intervenção em outro setor.
- Vertical / intervenção de mercado: nesse quadrante reside o maior risco de criação de desequilíbrios e comportamentos rentistas, pois fundamentalmente se acabam "escolhendo os ganhadores". Um exemplo desse tipo de intervenção seria oferecer isenções tributárias ao setor de turismo.
Com relação a esse último e mais sensível caso, a preocupação principal deveria ser estruturar uma seleção de setores, empregando critérios objetivos e, se possível, livre de influência indevida por parte dos atores privados e públicos. Mesmo identificada uma falha de mercado, em situações envolvendo uma intervenção vertical, é de bom alvitre limitar no tempo os benefícios aos setores escolhidos.
2. A intervenção proposta como remédio combina com o diagnóstico, seja aliviando a falha ou corrigindo seu impacto?
Pode parecer óbvio que a política proposta deva ser capaz de mitigar ou eliminar a falha de mercado. Porém, frequentemente, a política adotada não é adequada para solucionar o problema que justificou sua intervenção. Em outros casos, a implantação acaba se desviando da intenção original do projeto e termina lidando com os sintomas em vez da causa.
Uma das ferramentas empregadas para submeter a intervenção proposta a um teste lógico é empregar a ferramenta da teoria da mudança ou também chamada cadeia de resultados, pois visa estabelecer uma relação de causa e efeito. Uma teoria de mudança é a descrição de como uma intervenção é pensada para gerar os resultados desejados, detalhando a lógica causal de como e porque a intervenção alcançará os resultados pretendidos.
Essa cadeia de resultados estabelece uma lógica causal desde o início do projeto, começando com os recursos disponíveis, até o final, analisando os resultados de longo prazo e possui 3 principais partes:
- Implementação: trata-se basicamente do trabalho que será realizado e fornecido pelo projeto ou programa;
- Resultados: consistem nos resultados intermediários e finais, que não estão sob o controle direto do projeto e que muitas vezes dependem de mudanças no comportamento dos beneficiados.
- Pressupostos e riscos: como em qualquer plano, é importante que os formuladores do programa revisem a literatura ou a base de conhecimento disponível para buscar relatos de experiências semelhantes. Além disso, devem verificar os contextos e pressupostos das relações causais consideradas na teoria da mudança.
Em determinado momento é possível que se conclua que o mecanismo proposto não resolva o problema. Nessa situação, retorna-se à pergunta: que instrumento poderia ser usado para corrigir a falha de mercado? Caso não se obtenha qualquer resposta robusta em termos de sua teoria da mudança, melhor seria não seguir com o plano.
3. A capacidade institucional é suficientemente forte para executar a intervenção concebida?
Dependendo da complexidade e do esforço requerido, as instituições de desenvolvimento produtivo envolvidos (sobretudo o setor público) podem ser fracas e não ter a capacidade requerida para implantar a intervenção de modo adequado. Ao utilizar a expressão “dependendo da complexidade” estou me referindo ao volume de insumos mobilizados, ao escopo das atividades envolvidas ou ao alcance dos produtos. Por exemplo, elaborar um programa municipal que vise afetar a política macroeconômica do país implica em uma capacidade institucional inalcançável. Já a construção e operação de um centro de distribuição de alimentos para escolas e creches municipais é uma intervenção que requer uma capacidade institucional mais modesta.
Mesmo nesse último exemplo, é possível que as pessoas envolvidas, como funcionários das prefeituras, não tenham a capacidade técnica necessária. Entretanto, ainda que todo o plano esteja em risco, afirmo que nem tudo está perdido. Como explicarei futuramente, há caminhos possíveis para o desenvolvimento de competências necessárias.
Há uma miríade de competências necessárias à execução de determinadas intervenções, desde conhecimentos técnicos sobre os problemas, capacidade logística, poder de articulação para coordenar ações entre os órgãos do setor público e para colaborar efetivamente com os agentes do setor privado, entre tantas outras.
Há ainda uma importante competência adicional para uma instituição ou arranjo institucional vigoroso. Trata-se da capacidade de realização de avaliações de impacto (algo sobre o qual tratarei posteriormente) e que visam produzir aprendizados a partir das experiências e refinando as estimativas iniciais e as intervenções subsequentes.
Para concluir
Respostas positivas para cada uma das três perguntas são fortes indícios para que se prossiga às próximas etapas do planejamento, detalhando elementos de natureza tática e operacional e partindo para a execução desse plano. Certamente qualquer modelo de execução e gestão deve incorporar processos de aprendizado, corrigindo o que não dá certo e fazendo ajustes ao longo do caminho. Isto porque algumas premissas podem ter mudado e novas informações relevantes poderão surgir.
Contudo, se as respostas forem negativas, então sugiro que não se siga em frente. Volte para a “prancheta”, revise conceitos ou aborte completamente o projeto. Seguir em frente e colocar em execução um plano deficiente pode resultar em um grande desperdício de esforço ou, o que é pior, causar mais males do que benefícios aos mercados e à sociedade, distorcendo as forças de mercado ao invés de resolver as falhas e criando efeitos de transbordamento (efeitos para além do público-alvo) negativos.
Como argumentei anteriormente, uma dimensão fundamental para o desenvolvimento sustentável é o aprendizado. Em face a uma dinâmica econômica e social cada vez mais complexa, esse conceito é igualmente válido para planos de desenvolvimento produtivo, ou seja, os formuladores de políticas podem não saber de antemão quais as intervenções de política são corretas e precisam criar um processo para descobri-las. Isso de forma alguma invalida a tríade de perguntas apresentada, mas considera que eventuais imprecisões podem se reduzir com o com o tempo, ao longo do processo de aprendizado. Isso implica em experimentações e riscos de falhas calculados, em um modelo que apresentarei em breve. São muitas promessas de novos posts e me esforçarei em realizá-los.
Links interessantes para download:
- Ferramenta Teoria da Mudança
- Livro “Como repensar o desenvolvimento produtivo? Políticas e instituições sólidas para a transformação econômicas"
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