De tempo em tempo eu me surpreendo com ideias que mudam
meus modelos mentais e esse foi o caso do livro “Why Information Grows” lançado
em 2015 mas que chegou ao meu conhecimento há cerca de um mês. O livro abrange
questões muito relacionadas a temas tratados nesse blog e por isso apresento aqui
a minha resenha. O autor é Cesar Hidalgo, um físico Chileno que atualmente trabalha
no MIT Media Lab. Hidalgo, juntamente com Ricardo Haussmann e um conjunto de
pesquisadores de Harvard e do MIT, realizou um estudo sobre
complexidade econômica (clique aqui para ver um post anterior sobre o assunto). O livro
aborda questões que me fascinam, como a relação entre diversas disciplinas da
ciência e o esforço intelectual de cientistas em entender o mundo em que
vivemos.
Entropia e Informação
Em meu parco conhecimento sobre física um conceito que
sempre me intrigou é o de entropia, comumente associado a desordem. Entropia é
uma medida da combinação de estados físicos equivalentes (por exemplo, a
disposição de uma quantidade de átomos em um determinado espaço). Quanto maior
a falta de uniformidade ou padrões, maior é a desordem e a entropia de um
conjunto. Um aspecto que sempre me intrigou sobre esse conceito é a noção de
que, desde o Big Bang, o universo caminha inevitavelmente para a desordem.
É exatamente nesse ponto que Hidalgo abriu minha mente para
um conceito simples, mas que, a menos para mim, abre um novo paradigma ou
modelo mental sobre o mundo. O conceito central é que a informação se opõe a
entropia. A informação está relacionada a "ordem física" e desse modo
podemos ver nosso planeta como um oásis de informação no universo. Segundo Hidalgo,
o planeta Terra é para informação, o que um buraco negro representa para
matéria ou uma estrela representa para energia.
Um aspecto particularmente interessante para mim é releitura
da economia, não por elementos tradicionais como capital e trabalho, mas por
elementos tradicionais da física, como energia, matéria e informação. A tese central de Hidalgo é que o crescimento
das economias é explicado pelo crescimento da informação. Sendo assim, para
entender porque as economias crescem, é necessário entender os mecanismos pelos
quais a informação aumenta.
Acúmulo de Informação
Ao tratar do conceito físico da informação, conforme argumentou Schrödinger,
um dos mais importantes físicos do século XX, os objetos sólidos
(em oposição a matéria na forma líquida e gasosa) são essenciais para explicar a
vida e sua natureza rica em informação. É a organização de aminoácidos em
células e sua combinação na cadeia de DNA que tornam possíveis a existência de
organismos unicelulares e também do ser humano. Tudo isso representa informação armazenada.
É a informação genética aperfeiçoada ao longo de bilhões de anos, por
tentativas e erros, que produziu a espécie humana.
Graças ao engenho de seres humanos e à combinação de
conhecimento e know-how são produzidas intrincadas combinações de átomos, como
o caso de um Bugatti Veyron. Hidalgo utiliza o exemplo desse carro, cujo valor
estimado é de US$ 2,5 milhões, para argumentar que um objeto sólido como esse
representa uma configuração de informação muito específica e correlacionada.
Seu valor monetário estratosférico é atribuído justamente a essa combinação de
informações. Tal valor monetário pode ir a praticamente zero caso a
Bugatti seja destruída ou gravemente danificada.
No que tange à economia, o importante é entender os
processos que permitem às pessoas (ou grupo de pessoas) produzirem objetos ou informação.
Tais processos envolvem a formação de uma rede profissional e social capaz de
acumular e processar conhecimento e know-how. Para o autor, conhecimento
envolve o relacionamento ou ligações entre informações. Já know-how refere-se
ao conhecimento tácito, ou seja, à capacidade de realizar ações. O know-how é acumulado tanto por indivíduos como por grupos de indivíduos (uma orquestra sinfônica bem
treinada é um tipo de know-how coletivo).
Cristais de Imaginação
A indução desse raciocínio leva ao entendimento da economia
como um sistema coletivo e social pelo qual os seres humanos fazem a informação
crescer. Ao conceber que existe informação embutida em objetos, Hidalgo nos
brinda com uma metáfora “poética” sobre os objetos produzidos por
pessoas, os "cristais de imaginação ". Tais produtos ou objetos,
representariam aplicações ou a materialização de conhecimento, know-how e
imaginação.
Essa metáfora de cristais de imaginação me levou à lembrança
cenas do filme Matrix. Nesse filme, o mundo conhecido seria uma ilusão (a Matrix)
produzida por um "supercomputador" e pessoas "fora da
Matrix" enxergariam a composição de tudo o que existe nesse mundo ilusório
como informações representadas por ideogramas. A visão desses ideogramas,
acumulados em objetos, a meu ver, seria justamente a da informação
"cristalizada" em objetos.
Nesse sentido, produtos seriam a cristalização de
pensamentos de pessoas em objetos tangíveis (e incluiria
aqui softwares, objetos virtuais intangíveis) que permitem aos indivíduos compartilhar pensamentos com outros. Sem a materialização desses pensamentos em
objetos, as possibilidades de troca e a evolução para outros tipos de
"pensamentos" seria muito limitada.
Assim, para Hidalgo, o desenvolvimento econômico está
relacionado às capacidades das economias não de comprar, mas sim de “produzir informação".
Para fazer a "informação crescer", ou seja, para produzir novos
cristais de imaginação, é necessária capacidade de computação, isto é, de processos
de transformação da informação. Por seu turno, a capacidade de computação
requer o bom funcionamento de redes sociais (de interação entre pessoas ou
grupos de pessoas), sendo afetado por instituições e tecnologias.
Produção como Fenômeno Social
O crescimento da economia, ou seja, o crescimento da
informação, é limitado por seus ingredientes: conhecimento e know-how. Por sua
vez o conhecimento e o know-how estão "aprisionados" na mente das
pessoas e nas redes que essas pessoas formam. Como a socialização é um fenômeno
com grande especificidade local (as tecnologias aos poucos reduzem tais
restrições, facilitando a comunicação e “encurtando” distâncias), então o
conhecimento e know-how acabam se acumulando em determinados espaços
geográficos. Para Hidalgo, as diferenças de conhecimento e know-how entre
regiões explicariam a desigualdade econômica e social.
Como as pessoas adquirem conhecimento e know-how? As pessoas
aprendem, isto é, adquirem conhecimento e habilidades de outras pessoas, sendo
muito mais proveitoso para nós aprender de pessoas que têm experiência em
tarefas que desejamos aprender. A diversidade de conhecimento e know-how é
fator determinante da capacidade de produção de informações mais complexas (isto
é, cápsulas com mais know-how embutido, conforme a metáfora apresentada em um
post anterior. Vide aqui) e a formação de redes desempenha um importante papel
no emprego dessa diversidade.
As Empresas (grupos de pessoas)
Para explicar como as redes se desenvolvem, Hidalgo recorre
ao pensamento de grandes estudiosos em seus próprios campos de atuação. Por
exemplo, Robert Putnan e Francis Fukuyama na ciência política e Robert Coase e
Oliver Williamson na economia e teoria da firma.
As empresas são entidades eminentemente econômicas e
sociais, pois são formadas por grupos de pessoas (com diferentes conhecimentos
e know-how) reunidas para produzir bens e serviços. A teoria da firma, desde seu início, se ocupou em responder a perguntas como: por que as firmas existem? Quais
são os limites entre a firma e o mercado? Outra forma de colocar a última
pergunta seria: quando vale produzir internamente e quando é melhor comprar de
outra firma?
Resumidamente, a resposta a essa pergunta é baseada no conceito
de custo de transação. Quando o custo de transação externo (a firma comprando
do mercado) é menor que o custo de transação interno (de produzir algo
internamente) a firma prefere não contratar novas pessoas para realizar tarefas,
já que é preferível comprar produtos e serviços do mercado. Por outro lado, transações de mercado tendem a ter custos na
forma de contratos, inspeções, negociações, disputas, etc.
A rede formada por pessoas de uma empresa ou a rede formada
por empresas (fornecedores e clientes) é o que determina a capacidade de
arranjar o conhecimento e know-how e "cristalizar a imaginação", isto
é produzir.
Relações Sociais
Para explicar os mecanismos de formação de redes e os
determinantes da força de ligação entre os elos da rede, Hidalgo recorre a
elementos no campo da sociologia e da ciência política. Francis Fukuyama em seu
livro "Trust" afirma que (tradução livre) "certas sociedades podem
economizar significativos custos de transação por que os agentes econômicos
confiam uns nos outros, em suas interações. Por isso, podem ser mais eficientes
do que sociedades com baixo nível de confiança, que requerem contratos
detalhados e mecanismos de exigências". A confiança (trust) é, portanto,
um canal mais eficiente do que a via de instituições formais para a formação de redes econômicas, pois podem funcionar sem a carga e o custo envolvido com a
"papelada" de contratos e sua burocracia.
Nesse sentido, a confiança é uma forma essencial de capital
social, uma espécie de "cola" necessária à formação e
manutenção de grandes redes. Novamente, de acordo com Fukuyama, "a
estrutura industrial pode contar uma história interessante sobre a cultura de
um país. Sociedades que têm famílias muito fortes e elos relativamente fracos
de confiança entre pessoas que não fazem parte de seus círculos são dominadas
por pequenos negócios familiares. Por outro lado, países que têm organizações
sem fins lucrativos (não governamentais) vigorosas como escolas, hospitais,
igrejas têm maior probabilidade de desenvolver instituições econômicas privadas
fortes e que vão além da família".
Implicações Econômicas
Uma implicação da visão contida nesse livro para políticas
de desenvolvimento produtivo é entender uma indústria ou atividade econômica
como a expressão do conhecimento, know-how e outros fatores locais, tal qual o
nível de confiança da sociedade. De outra forma, podemos também ver uma indústria como
a estrutura necessária para acumular tais fatores (sociais, conhecimento e know-how).
Ou seja, tais fatores determinam e são determinados pelas indústrias e
atividades presentes.
Essa interdependência entre as indústrias (atividades produtivas)
e seus fatores de produção, assemelha-se ao problema do ovo e da galinha. A
teoria da complexidade econômica oferece uma resposta a esse dilema que é
buscar o desenvolvimento de produtos mais complexos a partir de conhecimento e know-how
já disponíveis no local.
A minha leitura sobre essa situação envolve o fortalecimento
de ativos existentes. Não importa o quão carente seja um local, sempre haverá
ativos, inclusive os de conhecimento e know-how. O primeiro passo é identificar
onde estão os ativos que poderiam ser mobilizados para melhorar a produção e o
bem-estar. Pessoas, empresas e instituições podem fortalecer suas condições
(não importa o quão ruim sejam) mobilizando os ativos que eles têm a disposição,
para conseguir o que eles não têm e de forma obter o que precisam. Infelizmente, isso não significa que alcançarão esse objetivo.
O desenvolvimento produtivo envolve a mobilização de fatores
de produção em prol do bem-estar social. São cinco os fatores de produção: 1)
trabalho, 2) terra ou recursos naturais, 3) capital físico, 4) capital humano e
5) capital social. Na concepção de Hidalgo, o capital físico representa o
encapsulamento de informação, sendo equivalente aos "cristais de
imaginação". O capital social representa valor econômico extraído de redes
ou relações sociais. Já o capital humano é uma medida do conhecimento e know-how
encapsulado em pessoas. Essas duas últimas formas de capital (humano e social)
tem o know-how como um elemento comum. Como vimos, o know-how (ou seja, a
habilidade para fazer coisas) determina a capacidade de "empacotar"
tais cristais de imaginação. Por sua vez, a capacidade de um sistema de
"empacotar" conhecimento depende da fluidez do sistema em usar a
informação disponível para construir e fortalecer as redes necessárias para o
acúmulo de know-how. Reside aqui a interdependência entre o capital humano e social.
Em resumo...
A função de uma economia é desenvolver conhecimento,
decompor esse conhecimento em parcelas "encapsuláveis" em pessoas
(personbytes) e armazenar o conhecimento e know-how em redes de pessoas capazes
de recuperar, processar, rearranjar e transmitir tal conhecimento na forma de
coisas (cristais de imaginação). Essa é também a principal função de empresas e
de cadeias de valor. Uma vez que as redes que conhecimento requerem confiança
para operar, elas podem ser impulsionadas ou freadas por instituições como
leis, governos e famílias. Algumas economias e sociedades conseguem realizar
essa tarefa melhor do que outras e, segundo Hidalgo, esta é a razão pela qual alguns locais do mundo são mais ricos que outros.
Para concluir: insights sobre a relação desse livro com o blog
Espero não ter escrito um “spoiler” do livro, pois recomendo
muito a leitura. Seu conteúdo é instigante e provocativo. É também bem escrito,
especialmente considerando que Cesar Hidalgo é um físico chileno, ou seja, que sua
área de experiência não é o de línguas e o inglês não é sua língua materna.
Como afirmei no início, o conceito de entropia sempre me
intrigou e o livro coloca uma grande luz no embate entre entropia e informação.
Considero que o objetivo de um sistema (e não somente econômico) seja o de reverter
a tendência a entropia e fazer a informação crescer.
Seguindo o raciocínio de Hidalgo, desenvolver significa
fazer a informação crescer e isto está muito relacionado ao conceito de
desenvolvimento sustentável. Nesse argumento, considere casos de destruição de
informação. Por exemplo, a extinção de espécies, como resultado da interferência
do homem no meio ambiente, representa a destruição de informação. As espécies
guardam no DNA de suas células a informação desenvolvida ao longo de bilhões de
ano. Preservar a biodiversidade significa preservar informação. Um outro
exemplo, a queima de combustíveis fósseis como petróleo e carvão, significa
aumento de entropia por meio da conversão de "informação" contida na
matéria sólida em matéria no estado gasoso (gases de efeito estufa), o que
aumenta a entropia do sistema.
Desenvolvimento sustentável significa fazer a informação
crescer (não ser destruída) e garantir que as futuras gerações tenham acesso a
"informação" para atender às suas necessidades e continuar fazendo a
informação crescer. Sendo a espécie humana uma espécie eminentemente social,
isso significa o fortalecimento de redes com vistas à ampliação da capacidade
social na busca de soluções e criação e novos "cristais de imaginação",
mas não às custas da destruição de outros tipos de informação.
Clique aqui na Teia de ideias do Blog, encontre esse post e veja como ele está relacionado a muitas outras ideias.
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ResponderExcluirParabéns, Fábio. Muito inteligente e generoso o seu texto sobre o belo livro do Cesar Higaldo. Aliás, a sua resenha além de original, foi bastante didática. Abração e estarei sempre por aqui, lendo o blog. Valeu.
ResponderExcluirOlá Weldher. Agradeço os comentários! Eles me motivam a continuar escrevendo... Se desejar, inclua seu email em "Avise-me sobre posts" logo abaixo, pois de tempos em tempos eu devo encaminhar resumos e alertas sobre os posts.
ExcluirAbração e até as próximas.
ResponderExcluirEdição do livro em português tem previsão?
ResponderExcluirBacana, Fábio. Estou esxcrevendo um artigo e pretendo cita-lo da seguinte maneira:
ResponderExcluirONO, Fábio Hideki. Por que a informação cresce: resenha do livro provocativo de Cesar Hidalgo. In: Gestão e Desenvolvimento, setembro de 2016. Disponível em: http://www.gestaodesenvolve.blog.br/2016/09/por-que-informacao-cresce-resenha-do.html