É no momento da execução que boas ideias e planos acabam sucumbindo. No caso de projetos públicos, infelizmente é comum que bons planos, com bons resultados não resistam a uma mudança de mandato. O impacto, o valor e a sustentabilidade (manutenção) de uma intervenção depende da robustez do modelo em que está sustentado e da amplitude de sua mobilização. Quero apresentar aqui uma contribuição ao debate sobre a melhoria da gestão pública. Este artigo não pretende esgotar o tema, mas introduzir alguns conceitos. Utilizarei uma metáfora que espero servir para explorar um conjunto de ideias para este e próximos posts.
Pense em uma árvore. Ela nasce de uma muda ou de uma semente, que nada mais é que um projeto que almeja ser uma árvore frondosa um dia. A árvore “quer” crescer e para isso necessita de recursos, um solo fértil (ou no mínimo, não estéril), chuva e Sol. Como qualquer ser vivo, deseja sobreviver e não tombar ao primeiro vento forte ou tempestade. Para isso, precisa de raízes fortes e também de um tronco robusto, capaz de conduzir a seiva desde a raíz até a folha na extremidade de um galho. Ao longo de sua vida, a árvore encontra sua forma única. Nenhuma árvore tem uma forma idêntica a outra. A direção do vento e a posição do Sol influenciam na direção que os galhos tomam, buscando a eficiência na captura e no uso de energia. Finalmente, a árvore tem como objetivo dar frutos e se perpetuar, deixar um legado por meio de novas árvores, seus descendentes.
Eu acredito que a gestão pública pode se valer da metáfora de uma árvore:
A. Objetivos e Resultados
Como qualquer bem, produto ou serviço, uma intervenção precisa ter valor para alguém. No caso de políticas públicas, valor significa resolver problemas da sociedade e/ou criar externalidades positivas que beneficiem vários agentes de forma coletiva. Como já vimos, no caso de políticas de desenvolvimento produtivo, as intervenções devem solucionar falhas de mercado.
Se a intervenção for entendida como uma árvore, ela deve ter uma função no ecossistema, por exemplo metabolizar frutas, fornecer alimentos e abrigo aos animais, fazer sombra e adubar o solo. A literatura tem demonstrado que as políticas de maior impacto e perpetuidade têm abrangências locais, resolvendo problemas específicos. Nesse caso, simplesmente copiar melhores práticas não é garantia de sucesso. As intervenções devem ser adaptadas às condições e às necessidades específicas de seus beneficiários. Em nossa analogia, transplantar uma mangueira (se entendida como uma boa prática) a um ecossistema de clima frio possivelmente não dará certo.
Em outros casos, o setor público pode não ter a maior agilidade e mobilizar as melhores competências para criar valor e resolver determinados tipos de problema. Por exemplo, o setor público dificilmente teria condições de implantar uma plataforma aberta como o FixMyStreet que permite aos cidadãos identificar e sinalizar buracos nas ruas e que demandam manutenção.
B. Planejamento
Como argumentei no post sobre a "santa trindade" em políticas de desenvolvimento (clique aqui para ver), uma vez identificado o problema a ser resolvido, uma intervenção deverá ser ainda capaz de resolver a falha diagnosticada e demonstrar a capacidade institucional necessária para executar o plano proposto.
Um plano deve portanto passar pela "provação" da santa trindade e responder a questões comumente associadas ao termo ou ferramenta 5W2H. Trata-se de ter respostas às seguintes questões (em inglês): what (o que?), why (por que?), who (quem?), where (onde?), when (quando?), how (como?) e how much (quanto?).
Em nossa metáfora da árvore, esse plano é a semente ou muda e que nada mais é que um projeto de árvore. Um projeto cujo resultado final é indeterminado inicialmente. Em outras palavras, o formato final da árvore, a direção e quantidade de galhos e folhas será determinada ao longo de seu crescimento. Nesse sentido, há um conceito que muito me agrada em políticas públicas (e diria também válido a muitos projetos privados) que é a razão “30/70”. Trata-se de uma proporção aproximada e que estabelece que apenas 30% de um plano será executado exatamente conforme inicialmente planejado. A maior parte, os 70% remanescentes, serão modificações do plano inicial, a partir de novas informações e imprevistos surgidos ao longo da execução.
Isso de forma alguma isenta a realização de um bom planejamento que identifique os recursos críticos e o sequenciamento de atividades. Porém, a exemplo dos modelos de startups enxutas (lean startups) e desenvolvimento incremental, o modelo que proponho reconhece que hipóteses e premissas poderão ser validadas ao longo da execução, a partir de iterações e adaptações, corrigindo rapidamente a rota, caso necessário.
Uma semente guarda consigo a carga genética (o projeto de árvore), mas a forma final final da árvore somente será conhecida ao longo de seu processo de crescimento.
C. Amplo Envolvimento
Evidências empíricas demonstram que as mudanças econômicas e sociais em larga escala acontecem a partir da coordenação de várias partes e não como resultado de ações individuais. Em outras palavras, as mudanças mais significativas ocorrem quando há um amplo envolvimento de pessoas e instituições.
Desenvolvimento significa inexoravelmente mudança. E mudança é sobre pessoas e suas atitudes e comportamentos. Há sempre um grande desafio a qualquer mudança chamada “zona de conforto”. Tirar uma instituição ou uma pessoa de sua zona de conforto requer incentivos, sobretudo na forma de emoções, sentimentos fortes de “causa”, compromisso, liderança, movimentos de “manada” e pressões de várias naturezas. Compreender o contexto, as necessidades, interesses das partes envolvidas e os incentivos em jogo são fundamentais a um plano que envolva mudanças.
Pense agora nas políticas e intervenções públicas mais impactantes que você conhece, aquelas que resistiram à troca de mandatos. Acredito que como característica comum encontrará a mobilização e o envolvimento de vários agentes (pessoas e instituições), criando pressões, inclusive políticas, pela manutenção dessa intervenção. Em um sistema democrático pleno seria desejável a participação consciente de cidadãos em projetos e decisões que tenham impacto em suas vidas. Engajamento dos cidadão e social accountability são temas sobre os quais pretendo tratar futuramente.
A exemplo de uma árvore com raízes profundas e que não tombam mesmo em face das mais severas intempéries, as intervenções que contam com envolvimento amplo de cidadãos têm uma razoável chance deixar um impacto sustentável e um legado.
D. Governança e Estrutura Dedicada
Envolver muitas pessoas e instituições requer coordenação e coordenação requer esforço e tempo, algo que as organizações têm em escassez. A expectativa de que a colaboração e a execução de planos possam ocorrer sem uma estrutura de suporte é uma das principais razões pelas quais projetos falham. Eu já participei de situações em que o principal encaminhamento de uma reunião de debates sobre planejamento era o agendamento da próxima reunião. Acredito que isso não teria ocorrido se houvesse uma estrutura dedicada para suportar e executar esse planejamento.
Tal qual um tronco que dá suporte à árvore, uma estrutura de suporte requer uma equipe dedicada, separada das instituições participantes, e que possa planejar, gerenciar, suportar e executar as atividades previstas. Sem uma estrutura robusta, o plano não irá “parar em pé”.
Além disso, essa estrutura dedicada suportará um outro elemento fundamental a qualquer empreendimento, sua governança. Por governança eu me refiro à forma com que as atividades são dirigidas, monitoradas e mesmo incentivadas. Ou ainda, segundo definição do Banco Mundial, governança é “a maneira pela qual o poder é exercido na administração de recursos...”. Portanto, governança está intrinsecamente relacionada ao processo de tomada de decisão.
Modelos modernos de governança e tomada de decisão adotam o princípio da recursividade, funcionando tanto de “cima para baixo”, por meio da responsabilização das esferas hierárquicas inferiores e de “baixo para cima”, escalando as falhas de coordenação até as esferas superiores. Nesse sentido, tal qual em uma árvore, a seiva precisa circular da raíz à folha, tendo no tronco um importante papel condutor.
O impacto coletivo de uma intervenção não provém apenas da quantidade de participantes ou da uniformidade de seus esforços, mas da coordenação de diferentes atividades e ações que se reforçam mutuamente. Para isso, é muito importante haver um sistema compartilhado de mensurações de resultado, em que indicadores exercem o papel de definir conceitos e dar significado e objetividade para a noção de “bom desempenho”. Indicadores têm uma importante função no processo decisório por sua capacidade de responsabilização. Gosto de pensar que as pessoas podem entregar o que você espera, mas vão entrar o que você inspeciona.
E. Experimentação e Inovação
O dinamismo da economia mundial é estupefante. Surgem a cada dia novos aplicativos e inventos revolucionário. Decisões tomadas por líderes alteram a geopolítica mundial. Doenças e mudanças climáticas impõem ameaças às espécies, incluindo a nossa. Meu sentimento é que a incerteza tem aumentado e isto impõe desafios adicionais às intervenções e ao planejamento.
A única certeza é que fatos novos e relevantes surgirão e que o modelo de desenvolvimento precisa dar conta desse fenômeno. Por isso, partindo-se do conceito “30/70” para o planejamento, sobre o qual me referi anteriormente, o modelo precisa favorecer a experimentação e inovação, que basicamente são conhecimentos e know-how colocados em ação.
No caso de uma árvore é o ambiente - isto é, os nutrientes do solo, a posição do Sol, do vento e as intempéries - que determinará o formato dos galhos e seu crescimento. A planta buscará a trajetória de crescimento de maior eficiência, seja na maior obtenção da luz ou na posição de menor consumo de energia. Em uma intervenção, princípio semelhante, baseado no aprendizado, deve ser perseguido, ou seja, entendendo quais ações dão certo e abortando aquelas que não dão, adaptando-se às condições e corrigindo as trajetórias.
Trata-se de um modelo baseado nos princípios do PDIA (termo em inglês para problem driven iterative adaptation, um modelo divulgado pelos professores Matt Andrews e Lant Pritchett da Universidade de Harvard) e fundamentado no aprendizado e na noção de que novas capacidades serão desenvolvidas ao longo do tempo. O modelo PDIA pode ser decomposto em 2 elementos principais: foco (problem-driven, isto é objetivando a resolução de problemas) e aprendizado (iterative adaptation, ou seja, utilizando um processo contínuo de adaptações).
F. Condicionantes
Como argumentei anteriormente ao tratar de conceitos de competitividade estrutural e sistêmica (clique aqui para ver o post), há elementos determinantes para a competitividade de uma empresa mas que estão fora de seu controle direto. Por exemplo, variáveis macroeconômicas como taxas de juros e câmbio e aspectos regulatórios como exigências legais para determinadas atividades. Tais elementos externos podem facilitar ou dificultar a execução de um projeto. Tratam-se de condicionantes à sua capacidade de execução e de impacto.
Exemplos de fatores condicionantes de uma intervenção pública seriam o nível de qualificação da mão de obra disponível, a experiência prévia da equipe e a infraestrutura existente de comunicação e transporte. Em nossa metáfora da árvore trata-se do solo, cuja composição e riqueza (ou escassez) de nutrientes condicionarão a forma e o ritmo de crescimento da planta, podendo inclusive resultar em uma morte prematura. O sucesso é improvável ao se plantar em um solo estéril.
Alguns projetos ou intervenções podem ter como objetivo justamente o de “fertilizar” o solo, ou seja, de criar externalidades positivas ou condicionantes para que outras árvores (projetos, empresas e empreendimentos) possam florescer. Projetos de desenvolvimento produtivo que visem a criação de bens públicos ou intervenções horizontais claramente têm tal objetivo.
G. Crescimento ético e sustentável
Este blog é a expressão da minha crença de que a produção de qualquer bem, seja público ou privado (um produto ou serviço) deve ser feita de modo sustentável. Por sustentabilidade remeto ao conceito, explorado em outro post (clique aqui para ver), de algo que atenda “às necessidades do presente, sem comprometer a capacidade de gerações futuras em atender às suas próprias necessidades". Por seu turno, tal conceito remete ao tripé da sustentabilidade (econômico, social e ambiental) que é também denominado triple bottom line (people, planet, profit).
Nesse sentido, não importa a um projeto ou intervenção apenas “o que” (what) fazer, mas especialmente “como” (fazer). Na sociedade do conhecimento e da informação, em que a transparência é cada vez maior, tende importar muito mais a ética e a forma como as coisas são feitas. Algo que Dov Seidman aborda muito bem em seu livro “Como” (How). Realizar ações sem seguir princípios éticos e sustentáveis serão cada vez menos admitidos pela sociedade daqui em diante.
Nos slides abaixo compartilho uma apresentação que fiz com o objetivo de trazer reflexões a um programa de desenvolvimento produtivo para a região metropolitana de Curitiba e que aborda muitas ideias aqui introduzidas.
Para concluir
Neste longo post, procurei delinear os princípios que, em minha opinião, devem reger uma política ou intervenção pública que vise um impacto sustentável. Para transmitir a noção “orgânica” do modelo recorri à metafora de uma árvore, criando analogias com cada um de seus componentes. Para finalizar, lanço mão de mais uma analogia. Creio que é insuficiente ter uma árvore frondosa em meio a um deserto. A sociedade quer e necessita de uma floresta, é necessário que se forme um ecossistema, uma rede ou conjunto de árvores nas quais os animais possam viver (cabe aqui também a metáfora de Ricardo Hausmann entre empreendedores e macacos), em que os frutos e folhas que caiam no solo possam fertilizá-lo para que novas árvores possam crescer, de forma sistêmica e sustentável.
Não tenho dúvidas que se trata de um modelo difícil. Um caminho como este, para ser trilhado, exige tempo, muitos debates, resolução de conflitos, compatibilização de interesses e mobilização de muitos recursos e pessoas. Contudo, eu acredito que é a única forma de produzir resultados efetivos e sustentáveis e assim, efetivamente dar resposta a problemas complexos. Ao longo desse caminho serão desenvolvidas competências e muitos aprendizados. Estou certo que tais competências e aprendizados poderão render ainda mais frutos, permitindo a resolução de problemas novos e talvez ainda mais complexos.
Teia de Ideias
Esse post reune um conjunto de ideias fundamentais as quais pretendo tratar em futuros outros. Com isso a teia de ideias cresce em novas direções. Clique na figura abaixo para visualizá-la.
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