A adoção de “melhores práticas” não funciona como um passe de mágica… Abracadabra e um carma positivo é criado! Recentemente, o argumento em favor do emprego de melhores práticas têm soado como uma panacéia. O fato é que agentes que entendem a complexidade de problemas reais dificilmente aceitam a ilusão de uma solução para qualquer tipo de problema. Se os problemas são específicos e dependem do contexto e de muitas variáveis, então espera-se que as soluções também sejam específicas. Além disso, como a experiência médica tem demonstrado, atuar nos sintomas e não na causa das doenças (ou problemas) pode resultar em desperdício (gastos com tratamentos inócuos), ou o que é pior, agravar o problema. A reflexão que proponho aqui com o intuito de criar valor e bons projetos é identificar o problema, atuar em suas causas, planejando as medidas necessárias e antever como será a nova situação quando o problema for solucionado. Disse uma vez Albert Einstein:
Se eu tivesse 1 hora para salvar o mundo, passaria 55 minutos definindo o problema e 5 minutos procurando soluções
Os professores Matt Andrew e Lant Pritchett da Harvard Kennedy School propõem uma abordagem alternativa à agenda das "melhores práticas" na gestão pública denominada PDIA (Problem Driven Iterative Adaptation), iteração adaptativa baseada em problemas. Neste post pretendo explorar o primeiro elemento dessa abordagem, ou seja, o termo “problem-driven”.
Por que Começar com Problemas?
Primeiramente, porque os agentes envolvidos - sejam eles líderes ou servidores de instituições do governo municipal, estadual ou federal, organizações da sociedade civil ou um cidadão ou cidadã - ao se depararem com problemas reais e bem definidos dificilmente poderão ignorá-los. Ao reconhecer os desafios, possivelmente identificarão suas próprias fraquezas ou as condições que normalmente não considerariam. No campo da psicologia, o primeiro passo para uma mudança de comportamento é a conscientização, ou seja, a compreensão do problema, entendendo o que se deseja mudar e por que se deseja mudar. No campo das políticas públicas, a conscientização sobre um problema não deve abranger apenas uma pessoa, mas o conjunto de atores envolvidos. Desafios bem especificados e com uma abrangência local tendem a ser mais mobilizadores e a restringir pensamentos como “isso não é meu problema”. Quando os agentes são submetidos ao exercício de contemplação de um problema e identificação de suas causas-raízes ficam mais propensos a trabalharem em conjunto na resolução desses problemas.
Em segundo lugar, o foco na resolução de problemas cria incentivos às organizações, colocando ênfase em seu desempenho em solucionar desafios e encorajando líderes, e também colaboradores nas linhas de frente, a trabalharem coletivamente em prol de mudanças.
Finalmente, porque problemas complexos não possuem uma única causa e ao decompô-los em problemas de menor magnitude e complexidade, tornam-se mais fácil a identificação e proposição de soluções aplicáveis. Neste sentido, a identificação de problemas auxilia no desenvolvimento de uma estratégia de gestão de mudanças, decompondo problemas em suas causas raízes e focando em “pontos de entrada” para o processo de mudança.
Técnicas para Decomposição de Problemas
A escola da gestão da qualidade total, muitas vezes associada ao modelo Toyota de produção, desenvolveu um conjunto de ferramentas e técnicas com o intuito de criar valor aos clientes, servindo-os com produtos de qualidade e não permitindo que problemas se repitam. Duas dessas técnicas são razoavelmente simples e úteis para a decomposição de problemas, sendo aplicáveis, portanto, à gestão pública:
- O diagrama de Ishikawa, também conhecimento como espinha de peixe (em razão de seu formato) é uma ferramenta para identificação de relações de causa e efeito, revelando relações entre diversas variáveis.
- Técnica dos 5-porquês: pode ser utilizada em conjunto com o diagrama de Ishikawa para se determinar as causas-raízes de um problema repetindo-se por até 5 vezes a pergunta “por que isso ocorre?”. Cada resposta é a base para uma nova iteração da pergunta “por que isso ocorre?”.
Engajando Atores
Ao se construir um diagrama de causa-efeito para a decomposição de um problema sugere-se primeiramente definir objetivamente o problema, incluindo valores quantitativos se for o caso. Em seguida, o procedimento é reunir as pessoas (atores chave) e realizar um brainstorming, de forma a levantar as causas-raízes que originam um problema. A experiência internacional demonstra que os processos bem sucedidos de mudanças ocorrem quando envolvem um conjunto abrangente de agentes engajados no desenho e implementação de soluções localmente relevantes para problemas localmente percebidos. Uma das vantagens de envolver esses atores já na fase de decomposição de um problema é elevar nas pessoas o nível de compreensão sobre a situação e as decisões a serem tomadas.
É relevante que se tenha em mente o chamado “paradoxo da imersão”: como agentes imersos nos mecanismos institucionais (sobretudo as lideranças) podem simultaneamente encontrar soluções e introduzir mudanças nestes mecanismos? Termos como desafiar o “status-quo” e pensar “fora da caixa” traduzem os desafios de se vencer tal paradoxo. Para mitigar esta situação, há de se envolver os agentes na “periferia”, seja o cidadão comum, seja um servidor que atua na linha de frente de atendimento ao público por exemplo. Esses agentes estão menos “imersos” nos mecanismos vigentes e, assim, mais abertos a elaborar críticas construtivas e a promover mudanças, ainda que provavelmente não tenham o poder necessário para efetivamente comandar e “fazer acontecer”.
Formulando Planos de Ação
Para “fazer acontecer” é fundamental a elaboração de um plano de ação, ou seja, de um projeto. Outra ferramenta associada à gestão da qualidade total e útil a tal propósito é o formulário A3. Trata-se de uma forma concisa (descrita em um formulário na dimensão de uma folha A3) de se estruturar um raciocínio sobre a resolução de problemas, construída sobre a lógica do PDCA (Planejar-Fazer-Verificar-Agir). Clique aqui para conhecer mais sobre essa ferramenta e obter uma planilha A3.
Aplicando a Mesma Lógica ao Mundo dos Negócios
A lógica da criação de valor a partir da compreensão e resolução de problemas é aplicável ao mundo dos negócios. Por exemplo, na concepção de novos produtos, serviços e modelos de negócios. As três ferramentas apresentadas (diagrama Ishikawa, 5-porquês e o pensamento A3) foram originalmente desenvolvidas para a identificação e resolução de problemas de empresas, em especial os decorrentes de problemas em processos produtivos.
Uma quarta ferramenta, desenvolvida mais recentemente, também tem como objetivo a identificação e resolução de problemas e criação de valor, todavia com maior ênfase em clientes e segmentos de mercado. Trata-se do “Canvas da Proposta de Valor”. O propósito dessa ferramenta é facilitar a identificação das tarefas (problemas enfrentados), dores e ganhos do cliente e propor ideias sobre o que pode ser feito para aliviar suas dores, ou seja, os serviços ou produtos e os criadores de ganhos ao cliente. Clique aqui para conhecer mais sobre essa ferramenta e obter um formulário.
Para Concluir
Adotar uma solução antes que o problema tenha sido compreendido por um conjunto de atores, é um caminho rumo à ineficiência e ineficácia, ou seja, à destruição de valor. As chamadas “boas” ou “melhores” práticas não são uma panacéia, ainda que possam ser adaptadas uma vez que um problema tenha sido localmente compreendido e especificado. Neste post procurei apresentar um conjunto de ferramentas aplicadas à decomposição de problemas e formulação de soluções. Argumento que a lógica da criação de valor pela resolução de problemas é aplicável tanto para gestão da iniciativa privada, quanto para a gestão pública.
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ResponderExcluirExcelente abordagem Fábio. Técnica e ferramentas de gestão sempre estarão presentes nas resoluções de problemas, mas quantos gestores e executivos estão ávidos em aplicar tais técnicas? deixando de lado o que consideram primordial: às decisões tomadas com base em seu feeling! ou pelo simples e complexo individualismo. Tomemos exemplo recente ocorrido político local, onde uma situação arrastada há dois anos, resolveu-se pelo resultado das eleições(individualismo partidário). Nas organizações seria diferente???
ResponderExcluirAplicar ferramentas e técnicas para solucionar problemas está além da gestão organizacional, tangenciando a psicologia corporativa.
Fica a dica para um próximo Post: psicologia corporativa versus ...
Olá colega,
ExcluirMuito obrigado por seus comentários e pela “provocação” muito pertinente. Concordo que boas ideias, técnicas e ferramentas são inúteis se não houver vontade e incentivos para aplicá-las. Em um post anterior (sobre analytics) sugeri que um plano que implique em mudanças deve reconhecer as atitudes e comportamentos valorizados e execrados na organização. No devido tempo, pretendo explorar algumas ideias relacionadas, com esse lado mais “psicológico”. Por exemplo:
• Fatores referentes à liderança
• Situações que levam as pessoas a mudar atitudes e comportamentos
• Como as pessoas tomam decisões: em especial, pretendo explorar conceitos da economia comportamental (ex. heurísticas e vieses) defendidos pelo Daniel Kahneman.
Nessa linha de raciocínio de decisões tomadas, menos em questões racionais e mais em intuição ou "feeling", eu cito um outro economista, Herbert Simon, para quem “a situação forneceu um indício; esse indício deu ao especialista acesso à informação armazenada em sua memória, e a informação fornece a resposta. A intuição não é nada mais nada mesmo que reconhecimento”...
Obrigado
Fabio