As últimas semanas foram atribuladas, dedicadas aos fechamentos do ano no trabalho e também à construção de uma base de dados para avaliação de atividades produtivas, o que deverá resultar em um conjunto de análises e propostas. Por isso, passei por um jejum de posts. Porém, é precisamente sobre a importância da “escolha” de atividades produtivas o tema que quero abordar, justificando meu interesse por um assunto um tanto controverso diga-se de passagem.
A economia brasileira experimentou recentemente uma estratégia malsucedida de escolha de "campeões nacionais" que causou mais distorções do que benefícios ao país. Um olhar em retrospecto demonstrou que tal estratégia de desenvolvimento da produção resultou em lucros aos beneficiários e não em ganhos de produtividade e de competitividade nacionais. O insucesso de uma estratégia geralmente leva à busca de caminhos opostos, no caso, a não adoção de uma política ativa de desenvolvimento produtivo. A história econômica, não somente brasileira mas mundial, tem demonstrado que movimentos pendulares são bastante comuns. As políticas geralmente oscilam entre lógicas intervencionistas da ação do Estado e o laissez-faire, que visa deixar os mercados operando livremente. Ou então, entre o protecionismo e o livre comércio. Temos visto essa transição atualmente em curso nos Estados Unidos e Europa.
Desejo fazer um contraponto e argumentar que será danoso ao bem-estar dos cidadãos e ao desenvolvimento econômico do país relegar a importância do Estado por 2 motivos:
- Por que o Estado está “condenado” a escolher
- Por que o Estado é o investidor que aceita os maiores riscos
Este raciocínio desafia a visão do Estado como o “Leviatã” ineficiente (o que muitas vezes realmente é) e cito para isso exemplos bem-sucedidos como é o caso de Singapura, país considerado pelo Banco Mundial (no ranking Doing Business) como o melhor lugar no mundo para se fazer negócios. A história de Singapura traz exemplos de políticas ativas de desenvolvimento produtivo pelo Estado e de uma perfeita simbiose entre o setor público e privado (clique aqui var ver um post sobre minha experiência naquele país).
As atividades produtivas, das mais simples às mais complexas, requerem um conjunto de insumos e capacidades específicas para serem viáveis. Por exemplo, no caso do aluguel de imóveis há diferentes atividades e competências vinculadas. Para citar apenas algumas delas: as imobiliárias, os corretores, as equipes de vistoria, os cartórios, os bancos, etc. As atividades econômicas são dependentes de capacidades muito específicas que são parcialmente oferecidas pelo mercado e parcialmente ofertadas pelo Estado. Nesses casos, se o governo não oferecer os insumos, a eficiência do mercado será baixa. Tratam-se de casos de externalidades positivas (clique aqui para ver um post sobre o conceito de externalidade)
o importante para o governo não é fazer coisas que os indivíduos já estão fazendo, e fazê-las um pouco melhor ou um pouco pior; mas fazer aquelas coisas que no momento não são feitas de forma alguma.
John Maynard Keynes em “O Fim do Laissez-Faire” (1926, p. 46)
Condenados a escolher
Uma vez que prover insumos complementares às atividades produtivas (ex. investimentos em formação profissional, P&D, novas legislações, funcionalidades estatais, etc.) é algo oneroso ao Estado, isto implica que escolhas devem ser feitas. Ou seja, escolher não algo desejável, mas infelizmente inevitável. Como argumentam Dani Rodrik e Ricardo Hausmann no artigo “Doomed to Choose: Industrial Policy as Predicament”, em uma política de desenvolvimento produtivo os Estados estão condenados a escolher. Segundo os autores, a ideia que o governo possa apenas se concentrar em fornecer apoio para todas as atividades (políticas horizontais) e de uma forma neutra é uma ilusão que desconsidera as especificidades e complexidades dos insumos necessários à produção. Em outras palavras, considerando a tipologia de intervenções (horizontal/vertical e bem-público/intervenção de mercado) apresentadas em um post anterior (clique aqui para ver o post), interpreto que, na leitura de Rodrik e Hausmann, para que um plano amplo de desenvolvimento produtivo seja bem-sucedido os governos não podem se eximir de atuar em intervenções de natureza vertical (e que permitirão ao setor privado também assumir compromissos). Desenvolver apenas bens públicos e intervenções horizontais não é suficiente para engendrar um processo de transformação econômica estrutural, levando os empreendedores a desenvolver novos produtos e atividades produtivas.
Para aumentar as chances de realizar um efetivo desenvolvimento produtivo os governos devem estabelecer uma estratégia bem-articulada para oferecer insumos e os condicionantes necessários às empresas. Venho argumentando ao longo dos posts deste blog que um pré-requisito ao sucesso de uma política de desenvolvimento produtivo é a boa gestão pública. Quando um governo é organizado eficientemente sua mão é firme, porém não é pesada, ou seja, é capaz de proporcionar uma visão e um impulso dinâmico ao setor privado que pode, assim, provocar uma efetiva transformação econômica estrutural.
Qual é alternativa à falta de uma política de desenvolvimento produtivo? A alternativa à falta de uma estratégia é ficar à “deriva”. Nesse caso, qualquer tipo de investimento na produção é potencialmente benéfico (ou inerte) ao desenvolvimento econômico. Tal alternativa é muitas vezes amparada na crença de que os mercados são plenamente eficientes na alocação de recursos. Muitas vezes essa tese é verdadeira. Todavia, em razão da existência de externalidades (vide post) o setor privado pode não ser capaz de solucionar todas as falhas de mercado. Como disse Keynes na citação acima, o importante ao governo é “fazer aquelas coisas que no momento não são feitas de forma alguma”.
Quais cuidados os governos devem ter ao escolher atividades produtivas e intervir em determinados mercados? O foco deve ser sempre em ações que promovam o aumento da produtividade dos fatores de produção (trabalho, terra, capital, etc.) daquele país ou território e evitar que a intervenção provoque apenas o aumento dos lucros dos beneficiários. Como argumentam Rodrik e Hausmann, “intervenções que aumentem o tamanho e lucratividade de certas atividades são legítimas somente se contribuírem com o resto da sociedade pelo aumento de impostos recolhidos e empregos de maior produtividade” (p. 32). Para isso uma tática mais eficaz parece ser focar apenas em novas atividades (definidas como novos produtos, processos, capacidades e investimentos que não são realizados nesse mercado ou economia) para assegurar que tal política sirva à necessidade de uma transformação econômica estrutural e não para enriquecer apenas um grupo privilegiado.
O bom lobby favorece a boa escolha
A ação do Estado quase sempre altera as forças de mercado e isto não é diferente para uma política industrial ou de desenvolvimento produtivo. Idealmente as políticas deveriam focar em ações transversais e boas escolhas que fizessem uso de um poder “onisciente” do Estado. Contudo, arrisco dizer que isso é uma visão utópica. Muitas assimetrias de informação e de conhecimento são insuperáveis. Sendo assim, para realizar boas escolhas os governos precisam buscar todos os mecanismos disponíveis para revelar informações e conhecimentos relevantes para uma boa decisão. Os sindicatos, associações comerciais, federações e representações de classe, de uma forma geral, são agentes importantes na manifestação de interesses da sociedade e de prioridades na visão de grupos econômicos. Trata-se da controversa atividade de lobby que, quando bem aplicada, é um mecanismo eficiente de comunicação de interesses para o poder público. Um parlamentar está muito longe de saber “tudo sobre tudo”. Por isso, é importante que ele tenha acesso a fontes de informação qualificada para escolher e tomar decisões. O problema histórico da economia brasileira é que o lobby muitas vezes se confunde com capturas e propinas e resulta, não em benefícios coletivos e aumentos de produtividade, mas em rent-seeking, ou seja, em dinheiro impróprio no bolso de um seleto grupo de beneficiários.
O Estado não pode e não deve se curvar facilmente a grupos de interesse que se aproximam dele em busca de doações, dinheiro e privilégios desnecessários, como cortes de impostos. Em vez disso, deve procurar aqueles grupos de interesse com os quais possa trabalhar dinamicamente em busca de crescimento, produtividade, evolução tecnológica e desenvolvimento. Transitam há alguns anos no congresso nacional projetos de lei para regulamentar a atividade de lobby. Trata-se de uma medida muito importante para que o pernicioso relacionamento entre o poder público e privado seja feito sob os melhores padrões de transparência, ética e justiça entre os diversos grupos de interesse.
O desenvolvimento econômico por meio da indução de novas atividades produtivas requer escolhas, caso o objetivo seja realmente a transformação e o impacto econômico. Assim, se os governos estão “condenados” a escolher, então é fundamental que as decisões estejam amparadas em conhecimento e elevados níveis de ética e transparência. Além disso, há uma outra razão, menos percebida, para o papel do Estado na transformação produtiva de um país ou território: sua capacidade empreendedora.
Libertando a inovação e empreendedorismo... do Estado
A economista italiana e professora da Universidade de Sussex, Mariana Mazzucato, em seu livro “O Estado Empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs. o setor privado” elabora uma tese provocativa que contradiz o senso comum do Estado burocrático e pouco ousado que impediria a capacidade de inovação do setor privado. Mariana apresenta muitos exemplos nesse livro e demonstra que foi a “mão visível” do Estado que tornou diversas inovações factíveis (ex. Internet, GPS e comando de voz). Por exemplo, cada uma das tecnologias que viabilizaram a criação do iPhone tem sua origem em investimentos do Estado, desde a própria internet até a tela sensível ao toque e seu aplicativo ativado por voz (Siri). Muitas empresas de tecnologia americanas como a Apple, Compaq e Intel receberam aportes em seus estágios iniciais através de programas de financiamento como o SBIR (Small Business Innovation Research).
O Estado é o investidor e o empreendedor que aceita os maiores riscos. Mariana argumenta que o setor privado só aposta depois de o Estado empreendedor ter feito todos os investimentos mais ousados e de maiores riscos. O próprio venture capital tem se mostrado dependente do governo para a realização de pesquisas mais dispendiosas e incertas. O maior e mais caro instrumento de pesquisa científica do mundo, o acelerador de partículas LHC (sigla para Grande Colisor de Hádrons), na fronteira entre França e Suíça não seria criado sem o massivo investimento do Estado. Tampouco o programa Apollo que levou o homem à Lua. Há muitos exemplos em que a pesquisa e os desenvolvimentos iniciais foram financiados exclusivamente pelos governos e o setor privado só entrou tempo depois. São os casos da energia nuclear, solar e eólica e em ramos como biotecnologia, nanotecnologia e internet.
Implicações para políticas públicas
Neste momento pelo qual atravessa a economia brasileira, um período de cortes significativos para reduzir o déficit orçamentário dos governos nos níveis municipal, estadual e federal, torna-se mais importante do que nunca discutir a eficiência e o retorno direto do gasto do Estado. Como argumentei, os governos não devem se eximir da necessidade de escolher, de ter uma visão para o desenvolvimento produtivo do país ou do território. Ter uma estratégia, escolher atividades prioritárias segundo critérios justos, éticos e transparentes são questões imperiosas para gerar renda e emprego de qualidade e colocar o país em uma trajetória sustentável de crescimento. Ao mesmo tempo é necessário melhorar a qualidade do processo decisório e reduzir o risco do investimento do Estado, resultando em retornos para a sociedade.
Via de regra, a adoção de políticas horizontais e que desenvolvam bens públicos (por exemplo, a garantia de direitos de propriedade) resultam em benefícios coletivos e reduzidas distorções setoriais. Por outro lado, confiar apenas em políticas dessa natureza é insuficiente para uma efetiva transformação e desenvolvimento econômico. Uma política ativa de desenvolvimento produtivo envolve escolha de setores e atividades prioritárias visando o aumento de produtividade e competitividade e restringindo a “captura” ou o benefício de um grupo seleto de empresas.
A pergunta que se coloca então é: quais são os critérios para uma melhor escolha? Sem qualquer presunção de esgotar o debate sobre a seleção de critérios adequados, proponho um conjunto de premissas e conceitos:
- Atuar em atividades cada vez mais complexas: como argumentei em posts anteriores (por exemplo: “A tese da complexidade econômica é aplicável ao Paraná?”), ampliar o conhecimento produtivo e atuar em atividades mais complexas é um caminho para a prosperidade e crescimento econômico.
- Fortalecer pontos fortes: como cada escolha implica em renúncias ou custos de oportunidade, investir tempo e recursos valiosos buscando reduzir as fraquezas não me parece ser uma estratégia de sucesso. Tão melhor seria fortalecer atividades em que já existam vantagens comparativas e buscar a excelência, visando situá-las em padrões internacionais.
- Adotar a visão de cadeias globais de valor: um olhar setorial (ex. comércio, mineração, agricultura, etc.) pode resultar em uma visão míope sobre a competitividade. Uma vez que a competição em escala global tem ocorrido muito mais em termos de cadeia produtivas, tão melhor é considerar os elos existentes (ou inexistentes) e a efetiva competitividade das atividades que compõem as cadeias de valor que atuam em um determinado espaço geográfico.
- Níveis geográficos distintos: vale o clichê “pense globalmente, aja localmente”. As pessoas estão empregadas em determinado local, as empresas produzem em determinado local, e, portanto, as escolhas assertivas devem considerar as condições de um território “relevante”. Isso não isenta a importância de estratégias produtivas nacionais e estaduais. Contudo, quanto mais abrangente o alcance geográfico de uma política de desenvolvimento produtivo maior deve ser sua orientação para alcances horizontais e bens públicos, como investimentos em infra-estrutura ou políticas de inovação.
- Saltos menores e factíveis: supor que uma região com baixo nível de desenvolvimento humano possa vir a estabelecer novas atividades de alta complexidade e intensidade tecnológica, como nanotecnologia ou a indústria aeroespacial, é uma fantasia. A estratégia de desenvolvimento deve buscar aquelas atividades com conhecimento produtivo próximo àquilo que as pessoas daquele território já sabem fazer. Felizmente, há indicadores disponíveis sobre proximidade do conhecimento produtivo.
- Atividades com potencial de crescimento: duvido que um empreendedor bem informado, decida aplicar suas economias e investir em uma locadora de DVDs, um mercado em claro declínio. É relevante buscar estratégias do tipo “oceano azul” em que a concorrência seja pequena e as perspectivas de crescimento sejam relevantes. Com efeito, é importante que a escolha considere a perspectiva de geração de renda e emprego.
Tenho trabalhado na construção de uma base de dados que permita alguns ensaios na formulação de um modelo de análise de atividades produtivas. Pretendo em breve apresentar alguns insights e descobertas. Acredito ser crucial fornecer um conhecimento relevante aos líderes públicos para a inevitável ação de decidir e escolher.
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